segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Entrevista

O sociólogo Edivaldo Silva, em entrevista à Equipe Antônia de Jornalismo, faz uma análise sociólogica do projeto Bom Prato.

Equipe Antônia de Jornalismo: Qual sua opinião sobre a iniciativa que tem como objetivo oferecer para população de baixa renda alimentação por baixo preço?

Edivaldo Silva: A iniciativa não deveria ser analisada a partir de uma grade divisória entre positividades e negatividades; para refutá-lo peremptoriamente, de um ponto de vista crítico, contra a iniciativa estatal que atuaria somente tendo em vista a reprodução de desigualdades sociais.Nem tampouco, associá-lo, elogiosamente, ao Estado enquanto ‘núcleo positivo’ de correção compensatória da dinâmica de funcionamento da sociedade capitalista.
No aspecto positivo há um avanço em relação ao regime alimentar dos trabalhadores, pois permite a distribuição de uma alimentação recém-cozida, com a manutenção de vitaminas e calorias necessárias à força-de-trabalho, a partir da planificação de mão-de-obra qualificada (nutricionistas). Por parte das classes de menor poder aquisitivo há uma avaliação positiva quanto à redução do custo diário para se manter como força produtiva ativa e, quanto aos trabalhadores inativos (aposentados), verificou-se que representam 60% dos consumidores nestes restaurantes populares.
Em sua dimensão negativa, com certeza, os restaurantes populares ingressam na ‘economia’ de políticas filantrópicas, tanto social-democratas como neoliberais, para administrar conflitos na sociedade global, quando o desemprego não é apenas conjuntural, mas estrutural, permanente, contínuo; vindo para ficar.

Equipe Antônia de Jornalismo: O projeto leva a segregação das pessoas, hierarquizando ainda mais a diferença/distância entre as classes sociais?


Edivaldo Silva: Não que o projeto per si leve a segregação, mas, talvez, ingresse na política de territorialização da pobreza, já contido na divisão centro-periferia, áreas nobres-áreas populares, bairros e favelas.

Equipe Antônia de Jornalismo: Como pode ser considerado o comportamento das pessoas que não freqüentam o restaurante e se referem ao local com desdenho e preconceito?

Edivaldo Silva: A questão já contém a resposta; o comportamento é moldado pelo preconceito, pois o tolerável para as classes economicamente elevadas era: a pobreza confinada no interior dos refeitórios de empresas ou disseminadas por todo o espaço urbano, com os ‘moradores de rua’.
A população discrimina aqueles que freqüentam o restaurante, pelo local ser freqüentado por pessoas de baixa renda, moradores de rua, etc?

Sim, pois predomina uma subjetividade de ‘classe média’, que se vê agredida pelo ‘espetáculo’ da pobreza. Michael Hardt, filósofo americano, fala algo sobre a discriminação racial que pode ser ampliada para a analítica das subjetividades sobre a pobreza. De acordo com Hardt o racismo mudou de forma, não se trata mais de perseguir o outro, o diferente, mas se afirma como multiculturalismo, isto é, com o enunciado: Aceito a diferença, desde que ela fique no seu lugar, no seu território, que decididamente não é o meu.
No caso da pobreza, se trata da mesma coisa, ‘territorialidades’: o confinamento da pobreza em espaços cartograficamente precisos. Diversos autores consideram que nas sociedades atuais, as favelas são concebidas como ‘campos de concentração’ em espaço aberto. Análises mais aprofundadas são exigidas, sobre os locais de concentração destes restaurantes populares, para precisar se este princípio de ‘territorialização da pobreza’ é o determinante. De qualquer modo, é uma hipótese a ser considerada. Na região central de São Paulo, por exemplo, o “Bom Prato” se situa próximo do Largo Paissandu, adjacente a uma zona, desde a década de sessenta, popularizada como “Boca do Lixo”.



Equipe Antônia de Jornalismo: O Bom prato é uma forma de limitar a população à sua atual condição financeira?

Edivaldo Silva: Não necessariamente. Estar em um restaurante popular, não produz este diálogo secreto, penitente-punitivo do trabalhador com o prato de alimento: “Se eu te devorar, estarei me destinando irremediavelmente à condição de pobreza?” Outras questões são levantadas que se dirigem não apenas à redução da alimentação ao ato de satisfação de uma necessidade natural, mas, ao aspecto propriamente estético – qualidade e diversidade dos alimentos, higiene e condições sanitárias – e social: padrão de atendimento, conformação de horários de refeições entre empresas e restaurantes, redução do período de espera, evitando filas, etc.

Equipe Antônia de Jornalismo: O projeto serve para tentar maquiar a pobreza atual das pessoas, comprando-as com um prato de comida e esquecendo de outras questões como educação, segurança, etc?

Edivaldo Silva: Nas sociedades contemporâneas, o implemento de tais planos não é o indicador mais preciso para se distinguir uma força política, nos termos consagrados no século XX: “Esquerda”, expressões partidárias representativas das classes populares; Direita: partidos políticos defensores dos interesses da classe abastada. Hoje, tais planos são estrategicamente necessários para qualquer força política que se instale no poder para a manutenção de um padrão de sociedade tecnológica, que cada vez demanda menos força de trabalho humana.
No Brasil, as políticas assistencialistas e o monetarismo – controle da inflação - são os vetores da ação estatal, com o adiamento, indefinidamente prorrogável, da formulação de um projeto de desenvolvimento econômico nacional.
No entanto, a perspectiva de mudanças sociais não implica apostar na intensificação da pobreza; no raciocínio de que somente a partir de uma população faminta se consolidará transformações sociais de fundo. Alimentação, mas também a avidez por saberes são elementos necessários para a produção de energias e desejos, necessários para, nos termos de Rimbaud, mudar a vida.

AMAC - Associação Mogiana de Ações para Cidadania

A responsável pela administração do restaurante Bom Prato de Mogi das Cruzes, a AMAC - Associação Mogiana de Ações para Cidadania, até o momento não concedeu entrevista para esclarecer informações pertinentes ao projeto.
O presidente da associação, Sr. Alfredo Campolino dos Santos Filho, foi procurado, e por meio de seus funcionários, informou que não tinha tempo disponível para conversar sobre o assunto.
As seguintes informações sobre a entidade foram retiradas do portal do site do Bom Prato:
A Associação Mogiana de Ações para Cidadania – A.M.A.C., foi fundada em 18 de junho de 2001, é uma Associação, na forma de Associação Filantropica sem Fim Lucrativo que tem por finalidade instituir um sistema de efetivo apoio à cidadania, nas áreas de esporte e lazer, educação, saúde, cultura e meio ambiente, deve abrigar e supervisionar projetos propostos pelas Secretarias Municipais, em convênio com Instituições públicas e privadas tendo atuado, ao longo destes quatro anos, na coordenação e execução de ações sociais do município de Mogi das Cruzes. A Associação Mogiana de Ações para a Cidadania (A.M.A.C.) atende atualmente 3,5 mil crianças e adolescentes carentes, cerca de 750 hipertensos e 86 antigos trabalhadores do Lixão da Volta Fria. A A.M.A.C. , segundo seu presidente, Alfredo Campolino dos Santos Filho, tem como objetivo, ações visando atender principalmente as crianças e idosos da periferia da cidade, com programas de integração que auxiliem no desenvolvimento e na melhoria da qualidade de vida das pessoas: “Em função do apoio que recebemos da prefeitura e das empresas parceiras, como o Santander Banespa e a Samed, tivemos uma trajetória meteórica, com inúmeras conquistas. Hoje atuamos em 29 núcleos esportivos com o programa Esporte Mogi e Ativa Idade, oferecemos ainda transporte, alimentação e encaminhamento de crianças, que se destaquem nos cursos oferecidos, para que obtenham bolsas de estudo em escolas particulares da cidade”. A entidade, que não possui fins lucrativos, recebe subvenções da Prefeitura de Mogi, do governo do Estado de São Paulo e das empresas parceiras, além de doações da comunidade, para administrar seus projetos, contratar professores e outros funcionários, já que não possui apoio de voluntários – com exceção da sua diretoria executiva e conselho fiscal. Atualmente possui 38 professores e estagiários de educação física, além de uma psicóloga, dois auxiliares administrativos e duas motoristas. Para garantir a qualidade dos seus profissionais, a A.M.A.C. patrocina cursos de reciclagem para seus professores e coordenadores.

Projeto Ativaidade visa integração social da terceira idade


Além de oferecer comida com preço acessível e de qualidade, o Bom Prato em Mogi das Cruzes, promove também projetos ligados à cidadania.
Nas terças e quintas-feiras, das 8h15 às 9h15 da manhã, o estabelecimento oferece o espaço para o projeto Ativaidade, iniciativa da AMAC (Associação Mogiana de Ações para Cidadania) em parceria com a prefeitura de Mogi.
O Projeto existe há 3 anos e é realizado em todos os postos de saúde da região, são no total 23 postos participantes. Já no Bom Prato, a iniciativa acontece desde a inauguração do restaurante, em março do ano passado.
As aulas, com exercícios específicos, são voltadas para o público da terceira idade, já que muitos sofrem de doenças como hipertensão, diabetes e dores musculares. Os instrumentos utilizados durante as aulas também são o diferencial, como garrafas de água mineral com areia para ser usada como "alteres" e garrotes para estimular o movimento da musculatura. "O objetivo das atividades consiste ainda em trabalhar pernas e coxas, pois muitos idosos têm dificuldade para subir em ônibus e até mesmo incontinência urinária que é, muitas vezes, encarada como um sintoma normal da idade", diz a professora de Educação Física do projeto Adriana.
Existe também nos mesmos dias a ginástica laboral que é feita com os funcionários do restaurante, logo quando chegam ao trabalho, das 7h às 7h20 da manhã.
Após as aulas, algumas participantes do Ativaidade continuam no restaurante e trabalham como voluntárias na hora do almoço. Margarida Marques, 59 anos, aprova a iniciativa. "Há um mês participo tanto das aulas como do voluntariado. É muito gratificante realizar esse tipo de trabalho, e ainda faço muitas amizades"
Para participar do projeto Ativaidade é necessário apresentar atestado médico e RG. A inscrição é feita no restaurante Bom Prato, que fica na Rua Voluntário Fernando Pinheiro Franco nº 912, centro de Mogi, ou em qualquer posto de saúde, que participe do projeto.